Estamos acostumados a pensar o trauma psíquico como algo intenso e disruptivo, que excede a capacidade das defesas internas, deixando marcas abruptas e impedindo a simbolização da experiência. No entanto, existe também um outro tipo de trauma, mais sutil e insidioso, que atua como um “gota a gota”: pequenas experiências repetidas que, ao se acumularem, podem moldar a subjetividade de maneira dolorosa e deixar marcas tão ou até mais profundas do que um único grande trauma.
A vivência de microtraumas fragiliza a personalidade e pode contribuir para o desenvolvimento de diferentes psicopatologias, tais como: depressão, transtornos de ansiedade, adições, transtornos alimentares, entre outras. Muitas vezes, essas experiências são de difícil identificação, já que costumam ser silenciosas, normalizadas e, portanto, negligenciadas.
Esses microtraumas situam-se sobretudo no campo relacional e/ou do desenvolvimento. Forçam a criança a desenvolver defesas psíquicas como a dissociação, a submissão ou a hiperadaptação — mecanismos que permitem sobreviver em ambientes emocionalmente adversos, mas que têm alto custo na vida adulta, gerando dificuldades de autenticidade, autoestima e vínculo.
Eles podem acontecer de diferentes formas, como por exemplo:
• não ter as emoções validadas,
• sofrer pequenas rejeições constantes ou atitudes sutis de humilhação,
• ser constantemente interrompido,
• ser comparado com frequência a personagens desvalorizadas,
• ser deixado sozinho por longos períodos,
• viver em um ambiente de críticas e falta de reconhecimento afetivo.
Conseguir identificar esses microtraumas é fundamental para o resgate do próprio lugar e da identidade. Alguns sinais emocionais e comportamentais podem remeter a vivências desse tipo, tais como:
• pensamentos repetitivos de auto-recriminação,
• comportamentos de evitação afetiva,
• tendência a colocar o outro sempre em primeiro lugar,
• insegurança constante em situações sociais, entre outros.
Muitas vezes é difícil reconhecer a origem desses agentes agressores sobre o psiquismo, pois eles se misturam à normalidade aparente das relações. Nesse processo, a psicoterapia pode desempenhar um papel essencial, ajudando a dar nome às experiências, elaborar as marcas do passado e possibilitar uma reconstrução mais autêntica do self.
Texto de autoria de Rosângela Martins - Todos os direitos reservados
Psicóloga Porto Alegre
CRP 07/05917